Revista Metropole 20/06/2010
Ninguém pensou nisso antes?
Boa ideia: Campinas queima 15 toneladas de material orgânico proveniente de podas de árvores; arquitetos e engenheiros têm uma alternativa melhor
Todos os meses, Campinas queima 15 toneladas de material orgânico, resultante da extração e podas de árvores, roçadas e capinagem. O material é reprocessado para elaboração de adubo, utilizado em plantações da prefeitura e doado para obras comunitárias. Apesar da boa intenção do governo municipal, a queima, que libera grandes quantidades de gás carbônico (CO2) na atmosfera, contribui para a deterioração da camada de ozônio e ainda deixa de fora a possibilidade da reciclagem da madeira pelos setores de construção civil e da indústria moveleira. “A legislação de Campinas permite que a madeira, fruto de podas, cortes e demolição, seja reaproveitada, mas ainda falta uma regulamentação sobre o assunto. Por isso, ela vai direto para o aterro, para ser queimada”, afirma o engenheiro florestal Rodolpho Schmidt.
No ano em que o Brasil comemora queda de 70% no desmatamento da Amazônia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e a questão ambiental pauta a agenda de governantes de todo o planeta, Campinas apresenta a sua contribuição à causa ambiental, por meio do projeto Madeira Urbana, lançado oficialmente na Campinas Decor.
O projeto prevê o reaproveitamento da madeira para confecção de móveis e objetos de decoração. “Isso evita a queima e o apodrecimento em aterros”, explica Schmidt. O Madeira Urbana conta com o respaldo da lei municipal 13.737/2009, sancionada em dezembro de 2009, de autoria do vereador Thiago Ferrari (PMDB), a pedido do próprio engenheiro florestal. O único entrave é a regulamentação, que ainda está em fase de estudo. “A lei contribui com o meio ambiente, beneficia e regulamenta o setor e ainda certifica a madeira”, enumera o engenheiro.
Além de cuidar da madeira que seria descartada, o projeto doa mudas para os moradores interessados em plantar árvores em suas calçadas ou quintais. Para isso, basta acessar o site www.madeiraurbana.com.br e solicitar um exemplar. Após a doação, um técnico do programa vai até o local especificado para registrar e confirmar o plantio da muda doada.
A certificação é outro ponto importante do programa. Cada peça pronta é identificada com selo e código para consulta on line no site. Através do código, é possível rastrear a história da madeira utilizada, obtendo informações e imagens das peças, como também das autorizações, datas e até mesmo o lugar exato onde se encontrava a árvore caída ou podada ou o local demolido que deu origem à madeira reaproveitada.
A madeira certificada pelo projeto possui ainda um selo que indica a quantidade de CO2 equivalente em madeira estocada na peça. Os cálculos para aferir este valor baseiam-se no volume, no peso e na densidade do material lenhoso.
Cada espécie de madeira tem uma capacidade diferente para fixar carbono; quanto mais densa, maior o estoque de CO2 por metro cúbico. “Usar madeira certificada é respeitar a história de uma árvore, que passa a ter uma nova existência. Para o meio ambiente é muito importante, pois ficará livre do carbono que seria jogado na atmosfera com a queima”, avalia Schmidt.
Responsabilidade ecológica é a chave de tudo
A certificação é o único modo de trabalhar com madeira legalizada no Brasil. Apesar do trabalho de ambientalistas, do governo e da legislação, a madeira ilegal ainda é largamente utilizada no País. Dados do Inpe mostram que, apenas na Amazônia, uma área equivalente ao estádio do Maracanã é desmatada a cada 6 meses. Para a arquiteta Juliana Boer, a certificação institui o senso de responsabilidade tanto para quem vende, quanto para quem compra. “A certificação informa a procedência da madeira. Você sabe que ela não veio de um desmatamento que possa estar depredando a natureza”, explica. Para Juliana, o projeto Madeira Urbana amplia o senso de responsabilidade e ainda proporciona a utilização do material de maneira completa. “O projeto prova que é possível trabalhar com madeira de forma sustentável. O que iria para o lixo poupa a derrubada de uma árvore”, avalia.
Desenho do material é a boa surpresa
As arquitetas Juliana Boer e Maira Del Nero assinaram o ambiente Restaurante da última Campinas Decor. Mesas, cadeiras, sofás, bancos e objetos de decoração foram construídos com madeiras provenientes de árvores podadas e mortas na cidade de Campinas, como sibipirunas, abacateiros, fícus e araucárias. A mostra revelou outra vocação para a madeira reaproveitada: o design.
Como funciona a nova proposta:
- A prefeitura extrai a árvore a pedido do morador, ou poda como manutenção.
- O projeto Madeira Urbana cede a muda adequada para substituir a extraída e monitora o plantio. A prefeitura cede 25 mudas como compensação pela extração.
- A madeira resultante da poda ou extração é certificada e pode ser comercializada.
- A certificação pode ser checada na internet com dados e fotos sobre a madeira.
- Fornecedores (madeireiras e indústria moveleira) compram a madeira.
- O consumidor final compra móveis e estruturas de madeira com atestado de procedência.